quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Portugal, um jardim à beira do abismo plantado. Artigo de Fernanda Botelho na Revista Jardins de Fevereiro








Duas da tarde, vislumbro ao longe um enorme monte branco e luzidio, desvio-me da estrada para melhor perceber o que já suspeitava, pois claro, resíduos plásticos resultantes de um estilo de agricultura do mais insustentável que podemos imaginar. Já tinha lido muito sobre as estufas da Costa Vicentina mas confesso que encontrar-me cara a cara com esta realidade me deu um imenso aperto no coração e uma voz cá dentro repetindo, perguntando “como é que é possível, como é que é possível, como é que é possível?” Como é que é possível algum ministro do ambiente ou da agricultura permitir que se perpetue este modelo agrícola que já vem dos anos 80, entre 1988 e 1994, data em que Thierry Roussel cobriu de plástico 550 hectares para a produção de frutos vermelhos e hortícolas, num projeto que na altura foi considerado inovador e benéfico para a região. Mal sabiam eles, os da região, da quantidade de herbicidas e pesticidas com os quais teriam de lidar com as respetivas consequências para a saúde pública e os ecossistemas. 





Sim deram-lhes emprego mas quando a empresa faliu não teve problemas nenhuns em despedir mais de 600 trabalhadores e deixar atrás de si uma dívida de milhões ao erário público. Com essa pegada ecológica e esse fantasma do senhor Thierry pairando ainda na região, o que faz o nosso atual governo que não tem medo nenhum de fantasmas? Autoriza o aumento de 40% dos atuais 1,600 hectares de estufas achando que isto sim é progresso, que progresso senhores? Transformar uma paisagem num amontoado de plásticos a perder de vista, hectares e hectares de estufas onde se planta de tudo incluindo pessoas de outras culturas sem que para tal se lhes ofereça um pingo de dignidade e se criem as devidas infraestruturas para o seu acolhimento. Tudo isto é aberrante e inacreditável e mais estranho ainda é o facto de o ICNF não ter registo da área ocupada por esta agricultura intensiva, insustentável e intolerável que já se apropriou de terrenos dentro do perímetro do PNSACV (Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina). 





Neste campo de indignação não poderia deixar de fora os olivais e amendoais intensivos, o Alqueva, o arranque de oliveiras e alfarrobeiras centenárias, os campos de golfe com toda a água e fertilizantes que utilizam e apontar talvez o dedo também a nós consumidores pouco exigentes que não se questionam de onde vem e para onde vai tudo aquilo que consumimos. Morangos e melões no inverno? Não obrigada. Não será excessivamente pessimista afirmar que Portugal está a tornar-se num jardim à beira do abismo plantado.