Duas da tarde, vislumbro ao longe
um enorme monte branco e luzidio, desvio-me da estrada para melhor perceber o
que já suspeitava, pois claro, resíduos plásticos resultantes de um estilo de
agricultura do mais insustentável que podemos imaginar. Já tinha lido muito
sobre as estufas da Costa Vicentina mas confesso que encontrar-me cara a cara
com esta realidade me deu um imenso aperto no coração e uma voz cá dentro
repetindo, perguntando “como é que é possível, como é que é possível, como é
que é possível?” Como é que é possível algum ministro do ambiente ou da
agricultura permitir que se perpetue este modelo agrícola que já vem dos anos
80, entre 1988 e 1994, data em que Thierry Roussel cobriu de
plástico 550 hectares para a produção de frutos vermelhos e hortícolas, num
projeto que na altura foi considerado inovador e benéfico para a região. Mal
sabiam eles, os da região, da quantidade de herbicidas e pesticidas com os
quais teriam de lidar com as respetivas consequências para a saúde pública e os
ecossistemas.
Sim deram-lhes emprego mas quando a empresa faliu não teve
problemas nenhuns em despedir mais de 600 trabalhadores e deixar atrás de si
uma dívida de milhões ao erário público. Com essa pegada ecológica e esse
fantasma do senhor Thierry pairando ainda na região, o que faz o nosso atual
governo que não tem medo nenhum de fantasmas? Autoriza o aumento de 40% dos
atuais 1,600 hectares de estufas achando que isto sim
é progresso, que progresso senhores? Transformar uma paisagem num amontoado de
plásticos a perder de vista, hectares e hectares de estufas onde se planta de
tudo incluindo pessoas de outras culturas sem que para tal se lhes ofereça um
pingo de dignidade e se criem as devidas infraestruturas para o seu
acolhimento. Tudo isto é aberrante e inacreditável e mais estranho ainda é o
facto de o ICNF não ter registo da área ocupada por esta agricultura intensiva,
insustentável e intolerável que já se apropriou de terrenos dentro do perímetro
do PNSACV (Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina).
Neste
campo de indignação não poderia deixar de fora os olivais e amendoais
intensivos, o Alqueva, o arranque de oliveiras e alfarrobeiras centenárias, os
campos de golfe com toda a água e fertilizantes que utilizam e apontar talvez o
dedo também a nós consumidores pouco exigentes que não se questionam de onde
vem e para onde vai tudo aquilo que consumimos. Morangos e melões no inverno?
Não obrigada. Não será excessivamente pessimista afirmar que Portugal está a
tornar-se num jardim à beira do abismo plantado.
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