Quinta do Castanheiro
"Um castanheiro com mais de meio milénio… …e com raízes profundas em Sintra vai resistindo às intempéries e colorindo com a sua graça o local em que habita, apesar de a morte lhe ter sido diagnosticada há já 50 anos. Na certeza de que ele tem muitas estórias para contar, o Jornal de Sintra, acompanhado por Adriana Jones e Maria de Lurdes Santos Pinto, da Associação de Defesa do Património de Sintra, fez-lhe uma visita e ouviu, sim, algumas das suas estórias, pela voz de Fernando Verol, actual dono da quinta – A Quinta do Castanheiro.
O património de Sintra não é feito somente de monumentos, mas também de verdadeiros tesouros naturais. Algo que não passa despercebido nem nas fotografias de hoje nem nas gravuras de outros séculos são as frondosas árvores que verdejam a serra e a Vila e que fazem parte do acervo de especificidades que povoam de uma quase magia os locais por onde se passa.
Pouco depois do centro da Vila, escondido numa quinta a que dá nome, a Quinta do Castanheiro, mora uma “árvore do pão” que, segundo o dono da propriedade, conta com mais de 500 anos de existência. Não fosse este um tesouro de Sintra e não teria sido classificado como árvore de interesse público (Decreto- Lei n.º 70 de 26/03/1945) pela Direcção-Geral das Florestas.
Hoje, danificado pelas intempéries, vai sobrevivendo como parte da história daquele local e também como protagonista de estórias. Mesmo com a morte diagnosticada há cerca de 50 anos devido a um fungo na raiz, de acordo com o proprietário da Quinta, Fernando Menezes Verol, o castanheiro tem-se mantido, muito à custa do poço de água da casa. “As raízes do castanheiro furam o poço e vão buscar água!”, contou Fernando Verol, “de modo que quando eu não tenho água ele não passa sede”.
Várias gravuras do castanheiro, feitas por amigos do proprietário da Quinta
Uma história cheia de estórias Com mais de meio século, o castanheiro é do tempo dos Descobrimentos. Nessa altura a casa ainda não existia, já que foi construída quando a árvore já espraiava os seus ramos – daí que uma parte tenha sido cortada, o que o proprietário considera que tenha sido “uma violência!”. “Quando Luís Vaz de Camões leu os Lusíadas ao rei de Portugal, foi debaixo de um castanheiro. Há quem diga que foi este, mas muito mais pequenino. Se seria este ou não, não se sabe”, contou Fernando Verol, salientando a importância da árvore.
Especulações à parte, sabe-se que Robert Southey, historiador e escritor, quando passou uma temporada naquela região para fugir ao ambiente cinzento de Londres, descreveu pormenorizadamente não apenas as saias das saloias, mas também o castanheiro: “A dona do castanheiro tem tal amor à árvore que a segurou em 50 contos anuais contra o risco de incêndio”, disse Fernando Verol, dando voz ao que relatara o historiador inglês.
Há 20 anos que o proprietário se tornou companheiro e guardião do castanheiro, que tem vindo a esmorecer. Há dois anos um camião transportador embateu no tronco do castanheiro e deitou o muro abaixo. Há pouco mais de um mês uma parte do castanheiro ruiu e deu origem a quase dez toneladas de madeira. Uma parte foi colocada no local de onde caiu e pequenos fetos vão ali crescendo, formando uma “escultura natural”.
Castanheiro, no entanto, continuará a ser o nome daquela Quinta, já que o proprietário decidiu plantar uma outra árvore do género naquele lugar e, como se costuma dizer que os velhos castanheiros matam os mais novos, Fernando Verol colocou junto ao mais novo uma castanha do mais velho.
O castanheiro tem uma origem controversa O castanheiro possui cerca de 12 espécies e é conhecido por ser uma árvore de grande duração, sendo que se conhecem alguns exemplares milenários. De acordo com a obra Árvores e Florestas de Portugal – Do Castanheiro ao Teixo, pensa-se que estas árvores, do tipo castanea sativa, foram introduzidas em Portugal pelos Fenícios na primeira metade da Idade do Ferro, século V antes de Cristo (há 2500 anos). Foram encontrados vestígios, na Serra da Estrela, de pólen fóssil de castanheiro com cerca de oito mil anos. A origem não é, no entanto, unânime e, nalgumas regiões, a cultura do castanheiro é de tal forma antiga que é difícil saber «quais as populações de castanheiros autóctones e quais as que, tendo origem no cultivar, se tornaram selvagens».
O que se sabe é que o fruto do castanheiro foi de extrema importância, já que antes dos Descobrimentos, este era um alimento básico que servia de acompanhamento à carne ou ao peixe ou para fazer pão-dos-bosques, através da farinha de castanha pilada. Com a introdução da batata, a castanha foi perdendo peso na alimentação e crê-se que seja essa a principal causa para a diminuição da área do castanheiro no país. Hoje em dia, é no Alentejo que se concentram os soutos ou castanhais.
Árvores de interesse público Até à data, estão classificadas como árvores de interesse público em Portugal continental 411 árvores isoladas e 74 arvoredos, de acordo com dados da Divisão de Sanidade Florestal, da Autoridade Florestal Nacional (AFN). Em Sintra, para além deste castanheiro, há também um plátano classificado.
Ser classificada, significa que “aquela árvore não poderá ser cortada ou desramada sem autorização prévia da Autoridade Florestal Nacional e de que todas as intervenções na árvore passam a ter orientação técnica da AFN. Fica assim a árvore protegida de qualquer acção danosa.” As árvores são vigiadas, inventariadas e monitorizadas anualmente por técnicos que estão nas Unidades de Gestão das Direcções Regionais de Florestas assim como por forças policiais, como GNR e Polícia Municipal.
Caso a árvore classificada sofra algum tipo de dano, previsto no código florestal, “de acordo com o Artº 5º, do Dec.-Lei, n.º 28 468 de 15 de Fevereiro de 1938 (ainda em vigor); no caso de corte, desrama de árvores classificadas, ao responsável será aplicada multa pela Autoridade Florestal Nacional, não inferior a cinco vezes o valor da árvore ou da desrama”, de acordo com a mesma fonte.
Em defesa das árvores de Sintra A Associação de Defesa do Património de Sintra, que tem lutado por proteger este património natural, publicou, há pouco tempo, um opúsculo que retrata as árvores de Sintra, que se vão integrando no meio cada vez mais urbano em que se inserem. De facto, «…no campo, como na cidade, a árvore é bela; por sua intervenção é que a gente se afeiçoa a determinados sítios…» (A Utilidade das Árvores, Mário de Azevedo Gomes, 1916).
Nesse sentido, o Jornal de Sintra e a Associação, criaram o Correio da Árvore, para juntar nesta luta os leitores e cidadãos do concelho, numa parceria que se pretende tripartida. Solicitamos, por isso, que os nossos leitores nos reportem sobre árvores que estejam, de alguma forma, em risco, ou qualquer outro problema relacionado com esta temática que considerem de relevo."
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